terça-feira, 12 de junho de 2018

Quem é, afinal, o “porquinho mealheiro” de quem? /premium

Comércio Internacional
Edgar Caetano     11 Junho 2018


















Trump ataca taxas que alguns países e blocos económicos, como a União Europeia, cobram aos produtos norte-americanos. 
E diz que os EUA vão deixar de ser "o porquinho mealheiro" do Mundo.

Donald Trump fez campanha a criticar os antecessores por terem levado o défice comercial dos EUA para níveis que o presidente dos EUA considera “inaceitáveis”. 
Com esse défice comercial a dilatar-se ainda mais, já neste mandato, o presidente dos EUA tem apostado neste tema para mobilizar a base de eleitores e não ser acusado de falhar nos principais objetivos da sua governação.

A decisão de Trump de não assinar a declaração conjunta do G7, por entre quezílias em torno do tema do comércio e das taxas aduaneiras, colocou este tema ainda mais na ordem do dia. 
Mas fazem sentido as críticas de Trump? 
O presidente dos EUA tem um fundo de razão ou a sua análise é descabida? 
Afinal de contas, quem é que é o “porquinho mealheiro” de quem?

1 - As taxas aduaneiras nos outros países são ou não mais elevadas do que as dos EUA?

Após a cimeira do G7, em Charlevoix, no Canadá, Donald Trump defendeu que os seus principais parceiros comerciais cobram taxas aduaneiras mais pesadas do que a sua nação. “Vejamos o Canadá — onde pagamos imensas taxas — os Estados Unidos pagam imensas taxas sobre os latícinios. Por exemplo, 270%”, disse o Presidente dos EUA.

Trump usou o exemplo mais gritante. Todavia, é verdade que as taxas aduaneiras norte-americanas são mais baixas do que as cobradas pelos restantes membros do G7, à exceção do Japão.

A Organização Mundial de Comércio (OMC) calcula que as taxas aduaneiras praticadas pelos EUA foram, em média, de 2,4% em 2015, enquanto a União Europeia, que inclui a Alemanha, o Reino Unido e Itália, aplicou taxas efetivas médias de 3% nesse ano. O Canadá, cujo primeiro-ministro, Justin Trudeau, foi apelidado por Trump de “fraco” e “desonesto”, tinha taxas aduaneiras de 3,1% em 2015. No Japão, as autoridades aduaneiras aplicavam taxas médias — efetivas — de 2,1%.


2 - 817 mil milhões de dólares. Que número é este do qual Trump faz bandeira?

Desde a campanha eleitoral que Donald Trump faz, frequentemente, referência a um número que, na sua ótica, serve para provar ao eleitorado que os EUA estão a ser “roubados” no comércio internacional. De tão enorme, esse número impressiona qualquer um — mesmo alguém que não faz a mínima ideia do que acontece no comércio externo: 800 mil milhões de dólares.

Esse número — na verdade 807,5 mil milhões de dólares em 2017 — diz respeito ao défice da balança comercial de bens entre os EUA e o resto do mundo. Ao destacar esse valor, o presidente dos EUA não está a incluir o superávit (do ponto de vista dos EUA) nos serviços: aí os EUA exportam mais 255 mil milhões do que importa. Ou seja, ponderando os dois elementos sem dar primazia a um em detrimento do outro, o défice comercial dos EUA com o mundo — de bens e serviços — é de 552 mil milhões de dólares.

Vale a pena não esquecer os dados sobre os serviços porque, como se postula no relatório económico divulgado pela Casa Branca ainda há poucas semanas, “a economia norte-americana está a afastar-se da produção manufatureira e a dirigir-se para a prestação de serviços”.

No mandato de Trump, e apesar do conteúdo das mensagens que passa publicamente, o défice comercial continua a dilatar-se (saltou de 502 para 552 mil milhões entre 2016 e 2017, muito por culpa do comércio de bens). Nesse mesmo relatório, publicado já sob a liderança de Trump, pode ler-se que “concentrar apenas no comércio de bens ignora a vantagem comparativa dos EUA nos serviços”. E aí, em serviços de elevado valor acrescentado como a finança, a engenharia, a educação e as novas tecnologias, os EUA têm um superávit a nível global.


3 - Trump tem razão quando acusa a UE de subsidiar setor automóvel, em prejuízo dos EUA?

Todos os blocos económicos protegem os seus setores produtivos com subsidiação e com outras medidas de estímulo. Um dos exemplos que Trump mais gosta de usar é a indústria automóvel, onde ameaçou com uma taxa de 25% contra as importações de carros. De facto, a própria Comissão Europeia reconhece que “devido à importante criação de emprego e outros efeitos positivos de investimentos por parte do setor automóvel, os Estados-membros têm disponibilizado quantias elevadas em ajudas ao investimento no setor”.




















Essas medidas de subsidiação foram especialmente robustas durante o auge da crise económica (mais de 1,8 mil milhões entre 2007 e 2014, só para este setor). Mas os EUA também o fazem: o exemplo mais paradigmático de todos é a nacionalização da “gigante” General Motors no final da década passada. Outro exemplo: o investimento na Chrysler, quanto também essa empresa entrou em dificuldades. Que subsidiação maior existe do que uma nacionalização pós-bancarrota?

O mais paradoxal do discurso de Trump, contudo, é que as interligações da indústria e do comércio mundial são, hoje, tão complexas que levam a que, por exemplo, o maior exportador em todo o país é uma fábrica da alemã BMW na localidade de Spartanburg, na Carolina do Sul.

“Mas, para Trump, isto são factos que não importam ou que ele não toma o tempo necessário para perceber — nunca sei muito bem qual é que é a explicação, em cada momento”, comentou, recentemente, o congressista luso-descendente Jim Costa, em entrevista ao Observador.


4 - Faz sentido dizer que a UE se protege contra as importações vindas dos EUA?

Não são de agora as críticas de alguns membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a Europa e as suas alegadas práticas dissuasoras da importação e, portanto, protecionistas. Em 2011, por exemplo, a UE foi criticada por envolver demasiada burocracia e padrões de qualidade, designadamente na área agro-alimentar, o que na prática seria uma violação das regras da OMC.

Em antecipação a esta cimeira, e já a adivinhar um confronto com os EUA, a Comissão Europeia preparou um conjunto de dados que procuram rebater a ideia de que as exportações norte-americanas (para a UE) podem estar a ser penalizadas por medidas que vão além das subsidiações ou das taxas aduaneiras.

Nesse factbox, a UE sublinha que por exemplo na carne de vaca os 50 estados podem exportar para os países da UE — ao passo que só França, Irlanda, Holanda e Lituânia podem exportar carne de vaca para os EUA. Ovos só a Holanda pode exportar para os EUA e carne de aves nenhum país da UE está autorizado a exportar este produto para os EUA.

Voltando ao tema dos automóveis, a UE lembra que todos os anos são produzidos nos EUA 2,4 milhões de carros europeus, com destaque para a tal fábrica na Carolina do Sul. Só o grupo BMW dá emprego a 70 mil pessoas nos EUA.

Mas como é que as taxas aduaneiras são aplicadas? As regras preveem que seja aplicada uma tarifa de 10% nas importações de carros dos EUA para a UE, que compara com 2,5% aplicados em sentido contrário. Mas essas são taxas regulamentares — na realidade, essas taxas quase nunca são pagas na totalidade, desde logo devido à organização da produção em que peças automóveis vão para os EUA para serem montadas. Em 2017, diz a UE, apenas mil milhões de euros em exportações de carros dos EUA para a UE pagaram a taxa máxima — num universo de seis mil milhões.

Os números da OMC referentes às barreiras ao comércio não apoiam as declarações de Trump. Os EUA têm 5.256 medidas não tarifárias em vigor, incluindo subsídios à exportação e restrições às importações, segundo a base de dados da OMC, enquanto a União Europeia lista 2.075, o Canadá 2.002 e o Japão 1.519.

Só em subsídios à exportação, a administração Trump mantém apoios às indústrias das carnes — vaca, porco e aves —, ovos, óleos vegetais, manteiga, queijo, arroz e trigo.

Há muito tempo presente nas declarações e tweets de Trump, a guerra comercial a sério começou quando a administração norte-americana aplicou, a 1 de junho, taxas aduaneiras de 25% por cento nas importações de aço e de 10% no alumínio. Uma decisão que atinge a União Europeia, o Canadá e o México. Bruxelas anunciou uma retaliação, previsivelmente a partir de julho, sobre produtos norte-americanos como o bourbon, as calças de ganga, o sumo de laranja e as motorizadas.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

"Estamos preparados para um novo investimento"

ENTREVISTA
Presidente da Boldati  João de Mello
02 de Junho de 2018
“Temos alertado para os elevados custos de contexto”
TEXTOS Anabela Campos e João Silvestre FOTO António Pedro Ferreira




























A Bondalti, nome escolhido pelo grupo Mello para a antiga CUF — Químicos Industriais, voltou a entrar num ciclo de crescimento, mas Portugal não será o destino prioritário. Os elevados custos da energia — eletricidade e gás natural — são um dos argumentos para a internacionalização e para que a Bondalti esteja já a investir fora do país, conta João de Mello, presidente do conselho de administração. A fiscalidade é outra das barreiras. Os PALOP estão entre os destinos de internacionalização em estudo.
JOÃO DE MELLO
É um dos filhos de José de Mello e está juntamente com os irmãos na comissão-executiva do grupo.Tem sob a sua liderança o negócio centenário da área química, cujo ativo mais valioso é o polo de Estarreja. A CUF — Químicos Industriais, hoje Bondalti, é um dos grandes fornecedores das maiores multinacionais do sector. É o maior produtor não integrado de anilina na Europa, e o segundo maior produtor ibérico de cloro e derivados. Em Estarreja, o grupo tem cerca de 400 trabalhadores. A inovação está nas prioridades de João de Mello — a Bondalti tem 26% dos trabalhadores na área da investigação, desenvolvimento e tecnologia. Em Portugal tem também um centro de produtos nanoestruturados em Coimbra, a Innovano, dois centros logísticos, em Aveiro e no Lavradio. Em Espanha tem um centro produtivo na Galiza e está a investir na Cantábria.

A CUF — Companhia União Fabril é uma marca histórica e fortíssima. Imaginamos que mudá-la não terá sido uma decisão fácil. É uma mudança de marca ou é algo mais profundo?
Resolvemos mudar após uma reflexão estratégica ao longo de um ano, e que passa por uma maior internacionalização, maior ambição e objetivos de liderança. Achámos que era bom aproveitar para alterar o nome. Optámos por Bondalti.

Este projeto mais ambicioso de internacionalização passa por novos mercados?
A Bondalti tem o seu core business no polo químico de Estarreja, onde desenvolvemos dois produtos principais: a anilina e o cloro e seus derivados. Acordámos, em 2007, fazer um investimento, em parceria com a Dow Chemical, para dobrar a capacidade de Estarreja. Arrancámos em 2009 com um investimento de €250 milhões, dos quais €125 milhões feito por nós.

E hoje são um grande exportador.
Diretamente exportamos €130 milhões. Mas grande parte do que fazemos em Estarreja é vendido à Dow Chemical — nosso parceiro há 20 anos — que, por sua vez, transforma e exporta. Diria que 80% do que é feito em Estarreja é direta e indiretamente para exportação.

Estarreja é o vosso principal polo...
É o alicerce sobre o qual queremos desenvolver o resto. Estivemos alguns anos a digerir o investimento, depois, com a rentabilidade, começámos a amortizar dívida para estarmos preparados para um novo ciclo de investimento. Estamos nesse momento.

Serão montantes dessa dimensão?
Não chegam per se ao montante daquele investimento feito de uma vez só, mas eu diria que num período de seis anos até o poderá ultrapassar. A anilina é usada sobretudo no fabrico do MDI, utilizado em variadíssimas aplicações. É isso, por exemplo, que a Dow produz e que tem como aplicações, por exemplo, tabliers e bancos de automóveis ou isolamentos térmicos ou acústicos. Somos responsáveis por 3% a 5% da capacidade mundial e fornecemos os grandes players — BASF, Covestro (ex-Bayer), Dow Chemical ou a Usman, por exemplo. São este tipo de parceiros/clientes que podemos vir a desafiar para investir.

Já avançaram com investimentos?
Na área do cloro e derivados estamos a fazer um investimento de €55 milhões em Espanha, na Cantábria, em Torre de La Vega. Queremos ser o primeiro player ibérico na produção de cloro e derivados.

Os PALOP estão no mapa?
Os PALOP no caso da Bondalti estão permanentemente no mapa. Olharemos para estes países como um mercado com potencial de investimento, nomeadamente na área de produção de cloro e derivados.

É um ciclo de crescimento que se passará, portanto, fora de Portugal…
Estes investimentos são muito intensivos em capital mas também em consumo de energia, elétrica e gás natural. Temos alertado as autoridades portuguesas para os elevados custos de contexto. Por isso, neste período o investimento em Estarreja está estabilizado. Não digo que não possa haver um reforço de investimento em Portugal de alguma monta depois disto, e mais na fase final dos seis anos, mas estará dependente da evolução dos custos de contexto: a energia elétrica, o gás natural e os fatores fiscais.

A energia é a vossa grande dor de cabeça? A EDP...
Não é a EDP, hoje em dia existe um mercado livre de energia. Mas temos custos regulados, o que torna elevado o diferencial para outras geografias. Tem havido um esforço do Governo e das entidades reguladoras para os diminuir. Mas ainda estamos muito longe do centro da Europa e até de Espanha.

Então não há muito mais a fazer?
Os preços têm vindo a baixar mas não ao ponto de diminuir o diferencial. Deve haver sempre preocupação nessa matéria, nomeadamente da ERSE. É, por exemplo, preciso ter mais interligações no gás e eletricidade.

E seria a REN a responsável?
Não... As interligações têm sido difíceis por causa dos Pirenéus em Espanha. Há aparentemente um acordo entre os Governos português, espanhol e francês. Era para haver em junho uma cimeira entre Macron, Rajoy e Costa, em Lisboa, que aparentemente não irá acontecer.

Há falta de pessoas qualificadas?
Em Portugal temos mão de obra bastante qualificada. Infelizmente existe é pouca gente disponível, porque em alguns sectores estamos quase a atingir o pleno emprego. Para cargos muito técnicos e especializados não conseguimos encontrar pessoas.

É uma questão de salário?
Não. Na indústria química não se paga mal.

E a fiscalidade?
A fiscalidade é um dos entraves ao investimento. Portugal é talvez o terceiro país mais caro no IRC. Devia olhar-se para esta matéria. Para não falar também da Segurança Social e do IRS que penalizam muito as pessoas. Infelizmente, o primeiro-ministro já deu indicações de que não irá baixar os impostos. É um erro crasso. Devia haver uma vontade férrea de diminuir impostos para as empresas e para as pessoas. Ajustando o Estado à dimensão desse objetivo. Nas empresas, temos de nos adaptar à dimensão do nosso mercado. O Estado deve ser regulador e não mais do que isso. A Europa devia pôr um limite aos impostos, porque se não qualquer dia somos escravos dos países. Devia haver uma lei europeia ou estar na constituição a impossibilidade de cobrar em IRS mais de 30% e em IRC mais de 15%.

É preciso mudar a lei laboral?
Mudar as leis do trabalho é mau. Para nós, na área química, o impacto não será muito relevante. Para o país, mudar leis estabelecidas, conhecidas e a que as pessoas estão habituadas não é bom. Mas não diria que é fraturante.

Não falou na Justiça. Preocupa-o?
Para as empresas que se portam bem, a Justiça não é um problema.

E as cobranças ou os litígios.
Nós não temos esse problema. O problema da Justiça são os casos de corrupção.

Com os políticos?
Não só políticos. No futebol ou alguns empresários. Demora muito tempo e cria uma imagem degradante para o país.

Como olha para um país em que, nos últimos anos, várias das suas grandes empresas deixaram de ser controladas por capital nacional?
Após o 25 de abril, e depois nas privatizações, grande parte dos grandes empresários ficou descapitalizado e renasceram com crédito. Portugal talvez não tivesse condições para manter alguns centros de decisão. Num mundo global, o capital não tem fronteiras.

Sente que isso tem consequências negativas para o desenvolvimento do país?
Admito que seja mais uma questão de estarmos pouco habituados a isso. Os reguladores devem estar atentos para que o capital não possa fazer tudo o que quer das empresas.

Há países grandes na Europa, como a Alemanha ou a França, muito pouco interessados em que a China invista em sectores estratégicos.
Há que destrinçar o que é capital do Estado chinês. Quando é esse capital a entrar em sectores-chave da economia, tem muito que ver com geopolítica. Percebo essa preocupação por parte dos Governos europeus. Mas como regular isso, não sei.
“Acabar com grupos centenários, por interesses pessoais, magoa” 
João de Mello sublinha que o grupo José de Mello investiu €1000 milhões em Portugal em cinco anos. Diz que só não estão agarrados a negócios a que não conseguem acrescentar valor. E lamenta o colapso da PT e do BES por interesses pessoais e “mesquinhos”.

Quais são as principais linhas estratégicas do grupo José de Mello?
O grupo tem três áreas principais de negócios: a Brisa, a José de Mello Saúde e a Bondalti, de que já falamos (ver texto ao lado). O objetivo na Brisa é reforçar a atividade em Portugal. Hoje a Brisa está muito no negócio da mobilidade e irá reforçar essa estratégia. Queremos também reforçar a capacidade de liderança na saúde em Portugal. Temos aliás vários hospitais em construção.

Para isso é preciso grande músculo financeiro...
O grupo investiu €1000 milhões na economia portuguesa nos últimos anos. Estamos a falar nos últimos cinco anos, entre o final de 2012 e o final de 2017. E durante esse período diminuímos a dívida em €2,5 mil milhões.

O grupo esteve um pouco asfixiado com dívida há uns anos.
Quem não esteve? A crise económica apanhou o mundo desprevenido. Os grupos económicos que estavam num período de grande expansão tiveram de retrair-se e adaptar-se à realidade. Foi por esse processo que nós também passámos e com muito sucesso.

Foram grandes investidores na banca, na energia. Agora já não estão.
Não estamos agarrados aos negócios. Quando percebemos que deixámos de extrair de um negócio tanto quanto outros podem fazer, vendemos.

Sente que a concorrência na saúde ficou mais agressiva com a entrada dos chineses da Fosun na Luz Saúde?
O que nós gostamos é de concorrência agressiva. Quanto mais agressiva melhor. Obriga-nos a dar o melhor que temos.

O facto de a Fosun ter simultaneamente a maior seguradora — a Fidelidade — e a Luz Saude dá-lhe uma vantagem comercial?
Eventualmente. Mas a Fidelidade não é a única seguradora em Portugal.

Não sente que há concorrência desleal?
Não. A concorrência é aguerrida, mas, como já disse, a concorrência é salutar.

É possível que o grupo entre em novas áreas de negócio?
Criámos no grupo um programa a que chamamos grow virado para as startup. O país tem um enorme apetência na área das startups e nos queremos incubar startups nas nossas empresas. Mas áreas de negócio novas não estamos a pensar nisso, para já.

Já estão em algumas empresas?
Na saúde e na Brisa já temos empresas incubadas. Ainda não investimos diretamente em nenhuma delas.

Acha que a dez anos o grupo vai estar mais internacional? É essa a ambição?
Dez anos no mundo em que vivemos é quase futurologia. Diria que mais internacionalizado certamente, nem que seja pela Bondalti. Na área da saúde e das concessões, diria que estará muito focado no país mas não descurando oportunidades de crescimento.

E o Brasil? Correu mal para muitas empresas portuguesas.
Tivemos um caso de sucesso muito bom com a Brisa. Tinha uma participada chamada CCR, que já vendemos. Hoje temos temos uma sociedade numa participada da Brisa — a BCR — onde três grupos brasileiros tem 30% do capital. Temos ligações ao Brasil mas não temos capital investido lá. Não está no horizonte próximo voltar a investir no Brasil.

Como explica a dificuldade dos negócios portugueses no Brasil?
O Brasil em si, pela dimensão, é uma dificuldade. É preciso ter cuidado com a internacionalização: afetar as pessoas certas, ter os parceiros certos, ter um grande conhecimento do mercado.

Surpreendeu-o o que aconteceu ao país nos últimos anos? O colapso da PT, o que aconteceu no BES…
Fiquei triste, fiquei muito triste. Vendo que tudo isso foi feito por interesses, aparentemente, segundo a leitura que faço dos jornais, mesquinhos e pessoais. Acabar com grandes grupos e grupos centenários, por interesses pessoais, magoa-me enquanto empresário.

Criou-se uma imagem negativa à volta dos grandes grupos familiares.
Não tenho dúvidas que sim.

Também há ex-políticos no vosso grupo, embora poucos.
Contratamos por meritocracia. Desde que seja transparente, ser político ou não, não faz diferença.

‘Geringonça’: “Bateu as minhas expectativas”
Desconfiou da solução política nascida em 2015 mas reconhece como positivos os resultados obtidos. Avisa, porém, que agora é hora de provar o que vale

Quando se fala na solução da ‘geringonça’, que levou António Costa ao poder com o apoio do PCP, PEV e BE, João de Mello não hesita em elogiá-la pela forma habilidosa como foi encontrada, embora reconheça teve muitas dúvidas sobre o seu sucesso. 
“Quando António Costa teve esta ideia, brilhante diria mesmo, ninguém acreditou que chegaria tão longe e com os resultados que teve”, afirma o presidente da Bondalti. 
João de Mello não tem dúvidas sobre o desempenho económico durante estes anos de consulado de Costa. 
Os números, diz, estão à vista: “Não posso fazer uma avaliação negativa pela ação resultante na economia até agora. 
O país tem estado a crescer, tem amortizado dívida, as taxas de juro da dívida portuguesa e o défice têm estado a níveis historicamente baixos.” 
Se recusasse reconhecer os resultados, sublinha, seria com “o Dom Quixote a debater-me com os moinhos”. 
E admite mesmo: “A ‘geringonça’ bateu as minhas expectativas.”

Isto não significa, no entanto, que os problemas estejam ultrapassados, e que o Governo não tenha importantes desafios pela frente. 
Pelo contrário. 
É que, avisa, já há alguns sinais de que “as coisas estão a mudar um bocadinho e a derrapar”. 
“A economia está a desacelerar.” 
E “as taxas de juro estão a subir”, frisa. 
O gestor referia-se em particular à turbulência nos mercados no início da semana por causa da crise política em Itália, que levou à subida nos juros da dívida na zona euro.

Para João de Mello “a dívida não está a níveis em que possamos relaxar” e é, por isso, que agora é o momento em que o Governo tem que “mostrar que é capaz de passar do crescimento económico de 1,8% para voltar aos 2,8% ou 3%”. 
Porque “precisamos de crescer 3% para baixar dívida com sustentabilidade”. 
Em ano de eleições, apertar o controlo das contas públicas pode ser difícil.

Não é por acaso que o também administrador-executivo do grupo José de Mello insiste que “está na altura de provar” do que o Governo é realmente capaz na frente da política económica. 
É que “o jogo vai ficar mais difícil. 
O petróleo está a aumentar, as taxas de juro a subir, a economia a decrescer, os parceiros estão em maior dificuldade e Itália vive em ambiente de incerteza”. 
João de Mello admite dar o benefício da dúvida mas promete estar “atento”.

Os juros irão voltar a subir, até porque o Banco Central Europeu (BCE) tem agendado o fim do programa de compra de dívida para setembro, e todas as previsões apontam para um abrandamento do PIB português nos próximos anos. 
Este benefício da dúvida não quer dizer que, “não haja coisas da ‘geringonça’ de que não goste, coisas mais pessoais e da área social”. 
Mas disso não quis falar. 
E há também a questão dos impostos. 
João de Mello considera demasiado elevada a fiscalidade em Portugal, e defende que é fundamental que os impostos baixem em Portugal não só para atrair investimento, mas também para manter o que já existe.