segunda-feira, 4 de junho de 2018

"Estamos preparados para um novo investimento"

ENTREVISTA
Presidente da Boldati  João de Mello
02 de Junho de 2018
“Temos alertado para os elevados custos de contexto”
TEXTOS Anabela Campos e João Silvestre FOTO António Pedro Ferreira




























A Bondalti, nome escolhido pelo grupo Mello para a antiga CUF — Químicos Industriais, voltou a entrar num ciclo de crescimento, mas Portugal não será o destino prioritário. Os elevados custos da energia — eletricidade e gás natural — são um dos argumentos para a internacionalização e para que a Bondalti esteja já a investir fora do país, conta João de Mello, presidente do conselho de administração. A fiscalidade é outra das barreiras. Os PALOP estão entre os destinos de internacionalização em estudo.
JOÃO DE MELLO
É um dos filhos de José de Mello e está juntamente com os irmãos na comissão-executiva do grupo.Tem sob a sua liderança o negócio centenário da área química, cujo ativo mais valioso é o polo de Estarreja. A CUF — Químicos Industriais, hoje Bondalti, é um dos grandes fornecedores das maiores multinacionais do sector. É o maior produtor não integrado de anilina na Europa, e o segundo maior produtor ibérico de cloro e derivados. Em Estarreja, o grupo tem cerca de 400 trabalhadores. A inovação está nas prioridades de João de Mello — a Bondalti tem 26% dos trabalhadores na área da investigação, desenvolvimento e tecnologia. Em Portugal tem também um centro de produtos nanoestruturados em Coimbra, a Innovano, dois centros logísticos, em Aveiro e no Lavradio. Em Espanha tem um centro produtivo na Galiza e está a investir na Cantábria.

A CUF — Companhia União Fabril é uma marca histórica e fortíssima. Imaginamos que mudá-la não terá sido uma decisão fácil. É uma mudança de marca ou é algo mais profundo?
Resolvemos mudar após uma reflexão estratégica ao longo de um ano, e que passa por uma maior internacionalização, maior ambição e objetivos de liderança. Achámos que era bom aproveitar para alterar o nome. Optámos por Bondalti.

Este projeto mais ambicioso de internacionalização passa por novos mercados?
A Bondalti tem o seu core business no polo químico de Estarreja, onde desenvolvemos dois produtos principais: a anilina e o cloro e seus derivados. Acordámos, em 2007, fazer um investimento, em parceria com a Dow Chemical, para dobrar a capacidade de Estarreja. Arrancámos em 2009 com um investimento de €250 milhões, dos quais €125 milhões feito por nós.

E hoje são um grande exportador.
Diretamente exportamos €130 milhões. Mas grande parte do que fazemos em Estarreja é vendido à Dow Chemical — nosso parceiro há 20 anos — que, por sua vez, transforma e exporta. Diria que 80% do que é feito em Estarreja é direta e indiretamente para exportação.

Estarreja é o vosso principal polo...
É o alicerce sobre o qual queremos desenvolver o resto. Estivemos alguns anos a digerir o investimento, depois, com a rentabilidade, começámos a amortizar dívida para estarmos preparados para um novo ciclo de investimento. Estamos nesse momento.

Serão montantes dessa dimensão?
Não chegam per se ao montante daquele investimento feito de uma vez só, mas eu diria que num período de seis anos até o poderá ultrapassar. A anilina é usada sobretudo no fabrico do MDI, utilizado em variadíssimas aplicações. É isso, por exemplo, que a Dow produz e que tem como aplicações, por exemplo, tabliers e bancos de automóveis ou isolamentos térmicos ou acústicos. Somos responsáveis por 3% a 5% da capacidade mundial e fornecemos os grandes players — BASF, Covestro (ex-Bayer), Dow Chemical ou a Usman, por exemplo. São este tipo de parceiros/clientes que podemos vir a desafiar para investir.

Já avançaram com investimentos?
Na área do cloro e derivados estamos a fazer um investimento de €55 milhões em Espanha, na Cantábria, em Torre de La Vega. Queremos ser o primeiro player ibérico na produção de cloro e derivados.

Os PALOP estão no mapa?
Os PALOP no caso da Bondalti estão permanentemente no mapa. Olharemos para estes países como um mercado com potencial de investimento, nomeadamente na área de produção de cloro e derivados.

É um ciclo de crescimento que se passará, portanto, fora de Portugal…
Estes investimentos são muito intensivos em capital mas também em consumo de energia, elétrica e gás natural. Temos alertado as autoridades portuguesas para os elevados custos de contexto. Por isso, neste período o investimento em Estarreja está estabilizado. Não digo que não possa haver um reforço de investimento em Portugal de alguma monta depois disto, e mais na fase final dos seis anos, mas estará dependente da evolução dos custos de contexto: a energia elétrica, o gás natural e os fatores fiscais.

A energia é a vossa grande dor de cabeça? A EDP...
Não é a EDP, hoje em dia existe um mercado livre de energia. Mas temos custos regulados, o que torna elevado o diferencial para outras geografias. Tem havido um esforço do Governo e das entidades reguladoras para os diminuir. Mas ainda estamos muito longe do centro da Europa e até de Espanha.

Então não há muito mais a fazer?
Os preços têm vindo a baixar mas não ao ponto de diminuir o diferencial. Deve haver sempre preocupação nessa matéria, nomeadamente da ERSE. É, por exemplo, preciso ter mais interligações no gás e eletricidade.

E seria a REN a responsável?
Não... As interligações têm sido difíceis por causa dos Pirenéus em Espanha. Há aparentemente um acordo entre os Governos português, espanhol e francês. Era para haver em junho uma cimeira entre Macron, Rajoy e Costa, em Lisboa, que aparentemente não irá acontecer.

Há falta de pessoas qualificadas?
Em Portugal temos mão de obra bastante qualificada. Infelizmente existe é pouca gente disponível, porque em alguns sectores estamos quase a atingir o pleno emprego. Para cargos muito técnicos e especializados não conseguimos encontrar pessoas.

É uma questão de salário?
Não. Na indústria química não se paga mal.

E a fiscalidade?
A fiscalidade é um dos entraves ao investimento. Portugal é talvez o terceiro país mais caro no IRC. Devia olhar-se para esta matéria. Para não falar também da Segurança Social e do IRS que penalizam muito as pessoas. Infelizmente, o primeiro-ministro já deu indicações de que não irá baixar os impostos. É um erro crasso. Devia haver uma vontade férrea de diminuir impostos para as empresas e para as pessoas. Ajustando o Estado à dimensão desse objetivo. Nas empresas, temos de nos adaptar à dimensão do nosso mercado. O Estado deve ser regulador e não mais do que isso. A Europa devia pôr um limite aos impostos, porque se não qualquer dia somos escravos dos países. Devia haver uma lei europeia ou estar na constituição a impossibilidade de cobrar em IRS mais de 30% e em IRC mais de 15%.

É preciso mudar a lei laboral?
Mudar as leis do trabalho é mau. Para nós, na área química, o impacto não será muito relevante. Para o país, mudar leis estabelecidas, conhecidas e a que as pessoas estão habituadas não é bom. Mas não diria que é fraturante.

Não falou na Justiça. Preocupa-o?
Para as empresas que se portam bem, a Justiça não é um problema.

E as cobranças ou os litígios.
Nós não temos esse problema. O problema da Justiça são os casos de corrupção.

Com os políticos?
Não só políticos. No futebol ou alguns empresários. Demora muito tempo e cria uma imagem degradante para o país.

Como olha para um país em que, nos últimos anos, várias das suas grandes empresas deixaram de ser controladas por capital nacional?
Após o 25 de abril, e depois nas privatizações, grande parte dos grandes empresários ficou descapitalizado e renasceram com crédito. Portugal talvez não tivesse condições para manter alguns centros de decisão. Num mundo global, o capital não tem fronteiras.

Sente que isso tem consequências negativas para o desenvolvimento do país?
Admito que seja mais uma questão de estarmos pouco habituados a isso. Os reguladores devem estar atentos para que o capital não possa fazer tudo o que quer das empresas.

Há países grandes na Europa, como a Alemanha ou a França, muito pouco interessados em que a China invista em sectores estratégicos.
Há que destrinçar o que é capital do Estado chinês. Quando é esse capital a entrar em sectores-chave da economia, tem muito que ver com geopolítica. Percebo essa preocupação por parte dos Governos europeus. Mas como regular isso, não sei.
“Acabar com grupos centenários, por interesses pessoais, magoa” 
João de Mello sublinha que o grupo José de Mello investiu €1000 milhões em Portugal em cinco anos. Diz que só não estão agarrados a negócios a que não conseguem acrescentar valor. E lamenta o colapso da PT e do BES por interesses pessoais e “mesquinhos”.

Quais são as principais linhas estratégicas do grupo José de Mello?
O grupo tem três áreas principais de negócios: a Brisa, a José de Mello Saúde e a Bondalti, de que já falamos (ver texto ao lado). O objetivo na Brisa é reforçar a atividade em Portugal. Hoje a Brisa está muito no negócio da mobilidade e irá reforçar essa estratégia. Queremos também reforçar a capacidade de liderança na saúde em Portugal. Temos aliás vários hospitais em construção.

Para isso é preciso grande músculo financeiro...
O grupo investiu €1000 milhões na economia portuguesa nos últimos anos. Estamos a falar nos últimos cinco anos, entre o final de 2012 e o final de 2017. E durante esse período diminuímos a dívida em €2,5 mil milhões.

O grupo esteve um pouco asfixiado com dívida há uns anos.
Quem não esteve? A crise económica apanhou o mundo desprevenido. Os grupos económicos que estavam num período de grande expansão tiveram de retrair-se e adaptar-se à realidade. Foi por esse processo que nós também passámos e com muito sucesso.

Foram grandes investidores na banca, na energia. Agora já não estão.
Não estamos agarrados aos negócios. Quando percebemos que deixámos de extrair de um negócio tanto quanto outros podem fazer, vendemos.

Sente que a concorrência na saúde ficou mais agressiva com a entrada dos chineses da Fosun na Luz Saúde?
O que nós gostamos é de concorrência agressiva. Quanto mais agressiva melhor. Obriga-nos a dar o melhor que temos.

O facto de a Fosun ter simultaneamente a maior seguradora — a Fidelidade — e a Luz Saude dá-lhe uma vantagem comercial?
Eventualmente. Mas a Fidelidade não é a única seguradora em Portugal.

Não sente que há concorrência desleal?
Não. A concorrência é aguerrida, mas, como já disse, a concorrência é salutar.

É possível que o grupo entre em novas áreas de negócio?
Criámos no grupo um programa a que chamamos grow virado para as startup. O país tem um enorme apetência na área das startups e nos queremos incubar startups nas nossas empresas. Mas áreas de negócio novas não estamos a pensar nisso, para já.

Já estão em algumas empresas?
Na saúde e na Brisa já temos empresas incubadas. Ainda não investimos diretamente em nenhuma delas.

Acha que a dez anos o grupo vai estar mais internacional? É essa a ambição?
Dez anos no mundo em que vivemos é quase futurologia. Diria que mais internacionalizado certamente, nem que seja pela Bondalti. Na área da saúde e das concessões, diria que estará muito focado no país mas não descurando oportunidades de crescimento.

E o Brasil? Correu mal para muitas empresas portuguesas.
Tivemos um caso de sucesso muito bom com a Brisa. Tinha uma participada chamada CCR, que já vendemos. Hoje temos temos uma sociedade numa participada da Brisa — a BCR — onde três grupos brasileiros tem 30% do capital. Temos ligações ao Brasil mas não temos capital investido lá. Não está no horizonte próximo voltar a investir no Brasil.

Como explica a dificuldade dos negócios portugueses no Brasil?
O Brasil em si, pela dimensão, é uma dificuldade. É preciso ter cuidado com a internacionalização: afetar as pessoas certas, ter os parceiros certos, ter um grande conhecimento do mercado.

Surpreendeu-o o que aconteceu ao país nos últimos anos? O colapso da PT, o que aconteceu no BES…
Fiquei triste, fiquei muito triste. Vendo que tudo isso foi feito por interesses, aparentemente, segundo a leitura que faço dos jornais, mesquinhos e pessoais. Acabar com grandes grupos e grupos centenários, por interesses pessoais, magoa-me enquanto empresário.

Criou-se uma imagem negativa à volta dos grandes grupos familiares.
Não tenho dúvidas que sim.

Também há ex-políticos no vosso grupo, embora poucos.
Contratamos por meritocracia. Desde que seja transparente, ser político ou não, não faz diferença.

‘Geringonça’: “Bateu as minhas expectativas”
Desconfiou da solução política nascida em 2015 mas reconhece como positivos os resultados obtidos. Avisa, porém, que agora é hora de provar o que vale

Quando se fala na solução da ‘geringonça’, que levou António Costa ao poder com o apoio do PCP, PEV e BE, João de Mello não hesita em elogiá-la pela forma habilidosa como foi encontrada, embora reconheça teve muitas dúvidas sobre o seu sucesso. 
“Quando António Costa teve esta ideia, brilhante diria mesmo, ninguém acreditou que chegaria tão longe e com os resultados que teve”, afirma o presidente da Bondalti. 
João de Mello não tem dúvidas sobre o desempenho económico durante estes anos de consulado de Costa. 
Os números, diz, estão à vista: “Não posso fazer uma avaliação negativa pela ação resultante na economia até agora. 
O país tem estado a crescer, tem amortizado dívida, as taxas de juro da dívida portuguesa e o défice têm estado a níveis historicamente baixos.” 
Se recusasse reconhecer os resultados, sublinha, seria com “o Dom Quixote a debater-me com os moinhos”. 
E admite mesmo: “A ‘geringonça’ bateu as minhas expectativas.”

Isto não significa, no entanto, que os problemas estejam ultrapassados, e que o Governo não tenha importantes desafios pela frente. 
Pelo contrário. 
É que, avisa, já há alguns sinais de que “as coisas estão a mudar um bocadinho e a derrapar”. 
“A economia está a desacelerar.” 
E “as taxas de juro estão a subir”, frisa. 
O gestor referia-se em particular à turbulência nos mercados no início da semana por causa da crise política em Itália, que levou à subida nos juros da dívida na zona euro.

Para João de Mello “a dívida não está a níveis em que possamos relaxar” e é, por isso, que agora é o momento em que o Governo tem que “mostrar que é capaz de passar do crescimento económico de 1,8% para voltar aos 2,8% ou 3%”. 
Porque “precisamos de crescer 3% para baixar dívida com sustentabilidade”. 
Em ano de eleições, apertar o controlo das contas públicas pode ser difícil.

Não é por acaso que o também administrador-executivo do grupo José de Mello insiste que “está na altura de provar” do que o Governo é realmente capaz na frente da política económica. 
É que “o jogo vai ficar mais difícil. 
O petróleo está a aumentar, as taxas de juro a subir, a economia a decrescer, os parceiros estão em maior dificuldade e Itália vive em ambiente de incerteza”. 
João de Mello admite dar o benefício da dúvida mas promete estar “atento”.

Os juros irão voltar a subir, até porque o Banco Central Europeu (BCE) tem agendado o fim do programa de compra de dívida para setembro, e todas as previsões apontam para um abrandamento do PIB português nos próximos anos. 
Este benefício da dúvida não quer dizer que, “não haja coisas da ‘geringonça’ de que não goste, coisas mais pessoais e da área social”. 
Mas disso não quis falar. 
E há também a questão dos impostos. 
João de Mello considera demasiado elevada a fiscalidade em Portugal, e defende que é fundamental que os impostos baixem em Portugal não só para atrair investimento, mas também para manter o que já existe.

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