domingo, 30 de setembro de 2018

Efeito cambial trama construtoras

ANGOLA
Economia
Abílio Ferreira   29 de Setembro de 2018
António Costa e João Lourenço voltam a encontrar-se no fim de Novembro em Lisboa

Dívida em euros cai para menos de metade por causa da desvalorização do kwanza

No rescaldo da operação diplomática do primeiro-ministro, António Costa, em Luanda, há uma boa e uma má notícia para as empresas, em especial da fileira da construção, credoras do Estado angolano. 
A boa é que Angola reconhece a dívida e compromete-se a pagá-la. 
A má é que não assume a atualização cambial, reduzindo para menos de metade a fatura em euros. 
Na prática, é um perdão forçado que rondará os €300 milhões.

“Ainda bem que há dinheiro, é uma pena que não venha o dinheiro todo”, desabafa ao Expresso um industrial. 
Os agentes empresariais confiam que uma “pressão política adicional do Governo português ajude a acelerar o pagamento”, cujo programa deve ser apresentado por Luanda aquando da visita do Presidente João Lourenço a Lisboa, marcada para 23 e 24 de novembro. 
Nessa altura, já a Cosec terá acertado a extensão em €500 milhões de linha do Estado português para cobrir negócios com Angola e que volta a incluir uma fração destinada a liquidar dívidas atrasadas.

O reforço para €1500 milhões “terá expressão no Orçamento de 2019”
Como se trata de uma extensão “as regras e condições de acesso mantêm-se: apoiar as empresas portuguesas na execução de projetos contratados com Angola”, responde ao Expresso o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).

NOVO FÔLEGO
A linha é um novo fôlego para as construtoras que ganham margem financeira para se aventurarem por novas obras públicas. 
Como diz um empreiteiro radicado em Luanda, “as dívidas dos Estados são para rolar a gerir”
O incómodo surge quando os pagamentos cessam e a circulação é interrompida. 
A linha reativa o circuito. 
Tal percalço não afetou os exportadores de ramos prioritários, como alimentar ou farmacêutico, que fornecem o universo estatal.

A estimativa do Governo angolano aponta para uma dívida global de 100 mil milhões de kwanzas (€290 milhões ao câmbio atual). 
Mas, o processo está ainda em fase de escrutínio e certificação, empresa a empresa. 
Só os contratos que forem validados contarão para o apuramento final. 
Todos os agentes relevam o facto de o valor ter sido anunciado na moeda angolana.

Após o ciclo depressivo 2012/2015, o número redondo que circulava no sector da construção para dimensionar a dívida acumulada era de 1000 milhões de dólares (€850 milhões). 
Mas a cifra sofreu uma redução acentuada pelo recurso do Estado a títulos de dívida pública (sem risco cambial) para saldar pagamentos. 
Desde então o kwanza perdeu 70% do valor face ao euro.

Nem a CIP — Confederação Empresarial de Portugal nem as associações sectoriais dispõem de dados atualizados. 
A AECOPS — Associação de Empresas de Construção Obras Públicas e Serviços situa a dívida entre os €400 e os €500 milhões, mas não tem um valor apurado. 
Uma parte “está em aprovação e a restante tem um valor por apurar por estar denominada em moeda local”, diz Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da AECOPS.

Os valores indicados “pecam por defeito”, reage Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário (CPCI). 
Mas o industrial descarta a querela dos números e prefere valorizar “o sinal positivo que decorre da intenção de pagar”. 
Qualquer solução “é sempre melhor do que nada”. 
As construtoras “reconhecem o esforço de Angola” e percebem que o problema “tem de ser resolvido de modo gradual”.

PAGA TARDE, MAS SEMPRE
Quando o tema é a dívida do Estado angolano, António Mota, o patrão da Mota-Engil repete o lema, cimentado numa carreira de 70 anos no país. “Angola paga tarde, mas paga sempre.” 
Ricardo Pedrosa Gomes subscreve. “O histórico do relacionamento confirma essa afirmação.” 
Outros industriais invocam a “cultura africana” para balizar o caso angolano, advertindo que uma estratégia coerente de internacionalização exige sempre “músculo financeiro adequado” para resistir às adversidades.

O primeiro expediente a que Angola recorreu para regularizar os atrasados foi a entrega de títulos soberanos para abater à dívida. 
A solução tornou-se um mal menor e a generalidade dos credores aceitou as obrigações do Estado que servem de cobertura a empréstimos bancários. 
Por exemplo, no acerto de contas pela requalificação da Baía de Luanda, a Mota-Engil recebeu €70 milhões em títulos de dívida. 
Em três anos, a exposição da construtora evoluiu de €28,7 milhões (2015) para €165 milhões (2017). 
A Teixeira Duarte investiu o equivalente a €40 milhões, transformando, em 2017, um terço em liquidez. 
Outras construtoras, como a Manuel Couto Alves (MCA) de Guimarães, de reduzida expressão em Portugal, rivalizam com os gigantes nacionais na obra pública angolana e acumulam igualmente um valor elevado de obrigações.

Reis Campos nota que agenda luso-angolana não se esgota no caso das dívidas e aponta o intercâmbio de trabalhadores como um dos aspetos centrais. “Nós temos formação profissional, eles têm gente disponível”, diz o industrial. 
Uma solução perfeita para resolver o défice de mão de obra que a CPCI calcula em 70 mil.

João Luís Traça, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola, realça que os sinais recentes “confirmam a vontade de o Governo de Luanda de resolver todos os atritos e aprofundar a cooperação com Portugal”. E os empresários portugueses não podem subestimar esta realidade: “Angola é dos raros mercados em que ser português é uma vantagem competitiva.” 

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