segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Dores de crescimento na China, dores de cabeça no resto do mundo

CHINA
Nuno André Martins  -  23 Agosto 2015
A sangria na bolsa chinesa continua e os investidores estão assustados. A economia chinesa está a mudar e há muitos países que já estão a sofrer as consequências. Quando crescer 7% é pouco para todos.


















Um dos legados da crise económica e financeira que teve como origem os Estados Unidos foi uma premonição, quase universal, de que a China em breve passaria a ter a maior economia do mundo. 
Sete anos depois da queda do Lehman Brothers, Pequim parece estar finalmente a sofrer dores de crescimento e o mundo está nervoso.

Depois de um início de ano de espetaculares subidas, o verão trouxe más notícias para a Bolsa chinesa. 
O principal índice começou a cair a pique e a arrastar consigo grande parte das bolsas asiáticas. 
Só na última semana perdeu 11,5% do seu valor, para muito perto do nível mais baixo atingido este verão.

Pareceria um histórico muito curto se o ponto baixo do verão não fosse uma destruição de quase um terço do valor do índice, ao ponto de o Governo chinês lançar uma intervenção de grande escala. 
Por princípio, a bolsa chinesa poderia não indicar sinal de grande problema. 
As ações admitidas à cotação na China são apenas uma pequena parte das participações das empresas, das mais baixas no mundo, mas os investidores estão nervosos.

Durante anos, a economia cresceu a um ritmo de fazer inveja a quase qualquer país e este ano ainda espera crescer 7%. 
Seria muito para qualquer outra economia, mas para a China quer dizer a pior taxa de crescimento dos últimos 25 anos e uma tendência de queda.






















Para aumentar o receio dos investidores, e evidenciar o medo dos responsáveis chineses, o Governo chinês avançou com um conjunto de medidas de estímulo para tentar estancar a sangria na Bolsa, mas não conseguiu. 
Entre essas medidas estava o grande tabu, impensável para a China em 2008 e 1998 durante a crise asiática, e que deixou os investidores de boca aberta: a China decidiu desvalorizar a moeda.

O que se passa com a economia chinesa?

Quanto mais cresce uma economia, mais difícil é continuar a crescer. 
Acontece tanto com economias, como com empresas. 
Um crescimento de 7% este ano representa um crescimento muito maior do PIB (produto interno bruto) do que os 14,2% que cresceu em 2007, por exemplo, considerando que a economia nunca cresceu abaixo de 7% em nenhum dos anos seguintes.

Mas a economia chinesa enfrenta outros problemas de fundo. 
Quando Xi Jinping chegou ao poder, em março de 2013, o plano já era o de reformar a economia chinesa. 
O modelo de crescimento da China durante décadas estava a esgotar-se e era necessário fazer mudanças.

O modelo é assente na grande máquina de exportações chinesa e, a nível interno, no imobiliário. 
Mas, em 2008, quando a crise nos Estados Unidos começou a afetar todo o mundo, as exportações colapsaram. 
Para compensar, o Governo chinês avançou com estímulos à sua economia cuja dimensão não tinha comparação em qualquer outro país.

O dinheiro foi quase todo para a construção imobiliária e de infraestruturas, com a responsabilidade a ficar nos governos locais, leia-se a dívida. 
O resultado foi a China passar ao lado da Grande Recessão com taxas de crescimento elevadas. 
Mas não apenas isto. 
A dívida total da economia chinesa explodiu para o quádruplo desde 2007 e atingiu os 282% do PIB chinês, maior que na Alemanha ou nos Estados Unidos.

A desvalorização da moeda

Na crise asiática, no final da década de 1990, e em 2008, quando a falência do Lehman Brothers abalou os mercados mundiais, a China resistiu sempre à tentação de desvalorizar a sua moeda. 
Na altura, a China manteve firme a indexação da moeda chinesa ao dólar e tudo fez para que ficasse estável.

Agora, quando nada indicava e não havia uma grande crise mundial ou regional, o banco central avançou para uma desvalorização, algo que não fazia há duas décadas. 
A medida apanhou de surpresa os investidores e falhou na tentativa de estabilizar os mercados. 
Xangai continua em contínuas quedas e um pouco por todo o mundo as bolsas estão a tremer.






















A ideia do Governo deverá passar por tentar revitalizar um setor exportador que, em julho, caiu 8,3% face ao mesmo mês de 2014, mas arrisca-se a criar uma guerra cambial com os países da região, casos da Tailândia e Indonésia, que já viram as suas moedas cairem para o nível mais baixo desde 1998, altura da crise asiática.

Ondas de choque

O abrandamento da economia chinesa está a deixar os investidores de olhos em bico. 
E com razão. 
Nas contas do FMI, em 1990 apenas dois países tinham a China como maior mercado para as suas exportações. 
No ano passado já eram 43. 
O problema é que, com a economia a abrandar, a procura pelos produtos que estes países exportam está a cair consideravelmente, em particular as matérias-primas.

Muitos destes países estão na Ásia, Médio Oriente e África, e entre eles contam-se grandes economias como Brasil, África do Sul e Austrália. 
Só no ano passado, segundo o FMI, as exportações na África do Sul caíram mais de 32% e as do Brasil e Austrália mais de 11%.

O Brasil é um dos países que se vê já numa situação económica difícil, mas muitos outros terão de começar a fazer mudanças se a situação na China se mantiver. 
Xi Jinping espera mudar a economia chinesa para um modelo mais orientado para a procura interna e para os serviços, e já apelida a situação económica chinesa como o “novo normal”: menos ênfase no crescimento e mais nas reformas estruturais da economia e consequente mudança de modelo económico. 
Esta mudança ameaça mais os principais parceiros comerciais da China do que a própria China.

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