Domingos de Andrade – Jornal de Notícias, opinião
domingo, 9 de agosto de 2015
O jogo
A guerra dos números do desemprego é um dos episódios mais tristes desta pré-campanha. Porque o jogo é mórbido.
Porque todos, Governo e Oposição, fazem bluff.
Porque os números prestam-se a que todos tenham razão.
E porque não há solução.
Ou ela é demorada.
Mas vamos aos números, juntando-lhes nomes.
A tratar por tu, para os chamar até nós.
As peças
O Dinis tem 52 anos.
Ainda manda currículos.
Tomou-lhe o hábito.
Até há meio ano, recebia subsídio.
E mandava currículos.
Mas já não pedia trabalho.
Nem se sentia humilhado.
Durante dois anos, quando o despediram, a ele e a mais uns quantos, para limpar a empresa e a tornar "interessante" para vender, bateu de porta em porta, até não pretender mais do que uns carimbos ou uns e-mails como resposta, para provar que andava à procura.
Hoje, engrossa os 243 mil que baixaram os braços.
O António ainda resiste.
Está nos 620,4 mil que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, se encontravam no desemprego no último trimestre.
São 48 anos, mais uns meses, a fazer de conta que sai de casa para trabalhar.
Apareceram-lhe umas coisas, adaptáveis a um operário fabril.
Mas o dinheiro que iria receber não chegava para as despesas.
Disse não.
Há coisas que a dignidade não merece.
O Diogo tem 28 anos.
Acabou o curso há quatro.
Faz biscates há três.
Tanto trabalha 16 horas por dia, como nada.
E vale tudo.
É um enfermeiro pronto a servir.
Está numa clínica, como poderia estar como auxiliar num centro de dia.
O percurso é o mesmo da grande maioria dos recém-licenciados.
Esteve um ano a receber a meias pela clínica e pelo Estado num estágio profissional. Acabou, entrou outro para o lugar dele, fez-se à vida.
Trabalha quando tem, recebe quando calha.
Há de emigrar.
E sair das estatísticas.
A subir ou a descer, terão sido 500 mil a sair do país nos últimos quatro anos.
Os jogadores
O Governo joga bem.
Mas faz bluff.
A taxa do desemprego teve uma quebra forte.
E é, para o Governo que operou a maior mudança das leis laborais dos últimos 40 anos, um trunfo.
Destruiu-se emprego.
Mas o país estava falido.
O empobrecimento foi violento, mas o país está hoje melhor.
E a UGT, central sindical ligada ao PS, diz améns e também quer louros.
A Oposição joga bem, mas faz bluff.
Ao coro do Bloco e do PCP, os socialistas juntam que o Governo é responsável pela maior destruição de emprego dos últimos 50 anos.
Ou que a baixa taxa se deve aos incentivos do Estado.
Mas não diz a cartada que tem.
Porque nada se pode prometer sobre as areias movediças em que a economia se transformou.
E prometer, hoje, tira votos.
Mesmo os do Dinis, do António e do Diogo.
Há neles uma esperança ténue nos números da coligação.
Estranha esperança.
Post scriptum - Os casos acima retratados são reais, salvaguardando a identidade, e não ficcionados como os que os cartazes do PS ostentam. Costa não quer mesmo ganhar eleições.
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