Graça Henriques 12 Outubro 2018 06:27
Processos que envolvem um antigo primeiro-ministro e um banqueiro, a falta de meios humanos com mais procuradores a saírem para a reforma do que gente nova a entrar e a aprovação de um novo estatuto do Ministério Público pelo Parlamento. Eis os grandes desafios de Lucília Gago.
Os casos mediáticos
Nunca a justiça portuguesa teve tantos casos mediáticos em mãos.
Os cinco principais envolvem um ex-primeiro-ministro (Operação Marquês), um banqueiro (caso BES), o Benfica (e-Toupeira), um ex-ministro (vistos Gold), juízes (Operação Lex) e os fogos de Pedrógão, onde morreram 66 pessoas.
Lucília Gago vai receber esta batata quente das mãos de Joana Marques Vidal, herdando todos estes casos - a leitura do Processo Vistos Gold, que envolve o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo e o ex-diretor do SEF Manuel Palos, está marcada para 21 de dezembro.
Já o caso que tem como principal arguido o antigo primeiro-ministro José Sócrates está em fase de instrução, entregue há duas semanas ao juiz Ivo Rosa.
Joana Marques Vidal deixa a Lucília Gago uma mão-cheia de casos mediáticos, desde a Operação Marquês aos fogos de Pedrógão. © DR Ministério Público
Por pouco, a nova procuradora não herdaria o processo que envolve um ex-procurador do DCIAP e o ex-presidente de Angola (Operação Fizz), mas a leitura da sentença que estava marcada para segunda-feira dia 8 foi adiada.
Sendo que a parte de Manuel Vicente transitou para Angola.
"São processos de grande impacto mediático e altamente escrutinados na fase de julgamento", alerta António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
Joana Marques Vidal ficará certamente na história por levar tanta gente poderosa a responder à justiça, mas os resultados da investigação e das acusações deduzidas pela equipa que liderou durante seis anos recairá sobre Lucília Gago.
A imagem do Ministério Público ficará, indubitavelmente, associada ao que vier a acontecer.
"A grande pressão mediática tem de ser tratada com inteligência e o que me dizem é que Lucília Gago é uma magistrada serena.
O mais importante é não haver precipitações, não haver declarações que possam criar alguma confusão na perceção que o cidadão tem de que quem possa alegadamente ser violador das regras fundamentais seja constituído arguido.
A perceção que o cidadão tem atualmente de que as coisas mudaram com a procuradora- geral Joana Marques Vidal não se pode perder", afirma, por seu turno, Guilherme Figueiredo, bastonário da Ordem dos Advogados.
Para Ventinhas, o grande desafio que a nova PGR enfrenta é conseguir fazer cada vez mais com menos.
"Os meios não têm aumentado na proporção da atividade do MP, cada vez se nota mais carências."
E fala também em desânimo dos quadros, que se reflete na falta de procuradores que queiram ir trabalhar para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que centraliza os grandes processos de crime económico e financeiro.
"O DCIAP não é neste momento atrativo, há pouquíssimas candidaturas, o que é preocupante.
As pessoas não têm praticamente nenhuma remuneração adicional por trabalharem neste departamento e quando têm processos complicados e mediáticos, como o da Operação Marquês, passam noites, as férias a trabalhar, sujeitos à pressão e aos ataques mediáticos. Não têm compensação na carreira, nem remuneratória", conta António Ventinhas.
A falta de procuradores
A falta de recursos humanos é um dos problemas que Lucília Gago vai enfrentar quando chegar à liderança do Ministério Público.
"Neste momento há uma carência de quadros, que se pode agravar nos próximos anos.
O curso do Centro de Estudos Judiciários que se irá iniciar só tem 36 pessoas para o Ministério Público, não dá sequer para colmatar as reformas.
Cada vez se irá precisar de mais recursos, porque o tipo de processos que hoje o MP permite, nomeadamente na área da grande criminalidade económica e financeira, exige muitos recursos e não se pode pensar como há 30 anos", disse o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
E explica: "Casos como o do BES, o colapso de um grande banco, ou a Operação Marquês, têm de ter vários magistrados, tem que haver articulação para a fase de instrução e julgamento e isto exige outro tipo de recursos, que não se compadece e com a estrutura tradicional do MP."
As últimas estatísticas oficiais são de 3 de setembro e dão conta de que o Ministério Público tem 1592 magistrados, sendo que só 1465 estão em efetividade de funções - os restantes 127 estão ausentes, quer por licenças, comissões de serviço, doença ou baixa parental.
"Casos como o do BES, ou a Operação Marquês, têm de ter vários magistrados, tem que haver articulação para a fase de instrução e julgamento"
Também o número de magistrados com funções processuais na primeira instância da jurisdição comum é deficitário, conforme revela o quadro Estatístico de Magistrados de 2018, em 120 magistrados se for tido em conta o máximo do quadro legal.
Já se for o mínimo, estão em falta 45.
E se António Ventinhas alerta para as reformas e jubilações que ainda reduzirão mais os quadros, as estatísticas do MP preveem que nos próximos quatro anos, 32 magistrados atinjam o limite de idade (70 anos) para a jubilação ou aposentação.
A estes, acresce que, até 2022, mais 134 procuradores passarão a ter o tempo suficiente de trabalho agregado (dentro e fora da magistratura) para se reformarem ou jubilarem se assim o entenderem.
O panorama não melhora: de forma faseada, até 2022, outros 157 magistrado do MP perfazem a idade necessária para se reformarem, mas neste caso só se tiverem um complemento de tempo de serviço relevante, por exemplo, com descontos para a CGA ou Segurança Social, fora da magistratura.
Entrada e Saída de Magistrados
Lucília Gago substitui Joana Marques Vidal, que sai ao fim de seis anos à frente da PGR.
Lucília Gago chega à PGR nesta sexta-feira para substituir Joana Marques Vidal, que deixa um Ministério Público mediatizado pela força das investigações que levou a cabo sobretudo desde 2014, mas também mais escrutinado do que nunca.
Os casos mediáticos
Nunca a justiça portuguesa teve tantos casos mediáticos em mãos.
Os cinco principais envolvem um ex-primeiro-ministro (Operação Marquês), um banqueiro (caso BES), o Benfica (e-Toupeira), um ex-ministro (vistos Gold), juízes (Operação Lex) e os fogos de Pedrógão, onde morreram 66 pessoas.
Lucília Gago vai receber esta batata quente das mãos de Joana Marques Vidal, herdando todos estes casos - a leitura do Processo Vistos Gold, que envolve o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo e o ex-diretor do SEF Manuel Palos, está marcada para 21 de dezembro.
Já o caso que tem como principal arguido o antigo primeiro-ministro José Sócrates está em fase de instrução, entregue há duas semanas ao juiz Ivo Rosa.
Joana Marques Vidal deixa a Lucília Gago uma mão-cheia de casos mediáticos, desde a Operação Marquês aos fogos de Pedrógão. © DR Ministério Público
Por pouco, a nova procuradora não herdaria o processo que envolve um ex-procurador do DCIAP e o ex-presidente de Angola (Operação Fizz), mas a leitura da sentença que estava marcada para segunda-feira dia 8 foi adiada.
Sendo que a parte de Manuel Vicente transitou para Angola.
"São processos de grande impacto mediático e altamente escrutinados na fase de julgamento", alerta António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
Joana Marques Vidal ficará certamente na história por levar tanta gente poderosa a responder à justiça, mas os resultados da investigação e das acusações deduzidas pela equipa que liderou durante seis anos recairá sobre Lucília Gago.
A imagem do Ministério Público ficará, indubitavelmente, associada ao que vier a acontecer.
"A grande pressão mediática tem de ser tratada com inteligência e o que me dizem é que Lucília Gago é uma magistrada serena.
O mais importante é não haver precipitações, não haver declarações que possam criar alguma confusão na perceção que o cidadão tem de que quem possa alegadamente ser violador das regras fundamentais seja constituído arguido.
A perceção que o cidadão tem atualmente de que as coisas mudaram com a procuradora- geral Joana Marques Vidal não se pode perder", afirma, por seu turno, Guilherme Figueiredo, bastonário da Ordem dos Advogados.
Para Ventinhas, o grande desafio que a nova PGR enfrenta é conseguir fazer cada vez mais com menos.
"Os meios não têm aumentado na proporção da atividade do MP, cada vez se nota mais carências."
E fala também em desânimo dos quadros, que se reflete na falta de procuradores que queiram ir trabalhar para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que centraliza os grandes processos de crime económico e financeiro.
"O DCIAP não é neste momento atrativo, há pouquíssimas candidaturas, o que é preocupante.
As pessoas não têm praticamente nenhuma remuneração adicional por trabalharem neste departamento e quando têm processos complicados e mediáticos, como o da Operação Marquês, passam noites, as férias a trabalhar, sujeitos à pressão e aos ataques mediáticos. Não têm compensação na carreira, nem remuneratória", conta António Ventinhas.
A falta de procuradores
A falta de recursos humanos é um dos problemas que Lucília Gago vai enfrentar quando chegar à liderança do Ministério Público.
"Neste momento há uma carência de quadros, que se pode agravar nos próximos anos.
O curso do Centro de Estudos Judiciários que se irá iniciar só tem 36 pessoas para o Ministério Público, não dá sequer para colmatar as reformas.
Cada vez se irá precisar de mais recursos, porque o tipo de processos que hoje o MP permite, nomeadamente na área da grande criminalidade económica e financeira, exige muitos recursos e não se pode pensar como há 30 anos", disse o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
E explica: "Casos como o do BES, o colapso de um grande banco, ou a Operação Marquês, têm de ter vários magistrados, tem que haver articulação para a fase de instrução e julgamento e isto exige outro tipo de recursos, que não se compadece e com a estrutura tradicional do MP."
As últimas estatísticas oficiais são de 3 de setembro e dão conta de que o Ministério Público tem 1592 magistrados, sendo que só 1465 estão em efetividade de funções - os restantes 127 estão ausentes, quer por licenças, comissões de serviço, doença ou baixa parental.
"Casos como o do BES, ou a Operação Marquês, têm de ter vários magistrados, tem que haver articulação para a fase de instrução e julgamento"
Também o número de magistrados com funções processuais na primeira instância da jurisdição comum é deficitário, conforme revela o quadro Estatístico de Magistrados de 2018, em 120 magistrados se for tido em conta o máximo do quadro legal.
Já se for o mínimo, estão em falta 45.
E se António Ventinhas alerta para as reformas e jubilações que ainda reduzirão mais os quadros, as estatísticas do MP preveem que nos próximos quatro anos, 32 magistrados atinjam o limite de idade (70 anos) para a jubilação ou aposentação.
A estes, acresce que, até 2022, mais 134 procuradores passarão a ter o tempo suficiente de trabalho agregado (dentro e fora da magistratura) para se reformarem ou jubilarem se assim o entenderem.
O panorama não melhora: de forma faseada, até 2022, outros 157 magistrado do MP perfazem a idade necessária para se reformarem, mas neste caso só se tiverem um complemento de tempo de serviço relevante, por exemplo, com descontos para a CGA ou Segurança Social, fora da magistratura.
Entrada e Saída de Magistrados
Além dos megaprocessos de criminalidade económica e financeira, alerta António Ventinhas, o MP é cada vez mais chamado a investigar noutras áreas.
"Como nos setores do urbanismo, ambiente, interesses difusos, defesa dos consumidores. São necessários mais meios se queremos dar uma resposta qualificada.
E algumas destas áreas estão a ser desmanteladas, como o direito dos consumidores, porque os magistrados são mobilizados para outros lados devido à falta de pessoas."
O Estatuto dos Magistrados
A organização interna faz que não haja uma estrutura hierárquica definida.
E isso acontece porque o Estatuto dos Magistrados do Ministério Público não foi atualizado ao mesmo tempo que a Lei da Organização do Sistema Judiciário, em 2014.
A proposta de revisão do estatuto deu entrada no final de agosto no Parlamento, mas ainda terá de ser sujeita a discussão e votação, na generalidade e depois na especialidade.
Lucília Gago tem pois o desafio de organizar a casa, nomeadamente no que diz respeito às carreiras e ao funcionamento, quando o enquadramento legal estiver definido.
António Ventinhas, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, diz que a nova PGR vai encontrar uma classe desanimada. © Jorge Amaral/Global Imagens
A proposta de alteração dos estatutos é vasta e abrange áreas tão distintas como o Conselho Superior do Ministério Público, a mobilidade dos procuradores, carreiras, processo disciplinares, incompatibilidades, criação de novos departamentos...
Mas entre o que está proposto e o que será letra de lei pode haver grandes diferenças.
No rol de alterações propostas ao Conselho Superior do Ministério Público, António Ventinhas destaca uma pela positiva: o facto de um determinado elemento do conselho, por exemplo um advogado, não poder vir a intervir na avaliação ou decisões disciplinares sobre magistrados com os quais possam ter tido algum processo.
"Se assim fosse, podia tentar condicionar o magistrado que está a tratar do processo. Esta solução preserva a autonomia dos magistrados", diz Ventinhas.
Além disso, o facto de a eleição do CSMP passar a ser feita diretamente por cada distrito, na sua opinião, virá a fortalecer a representatividade dos magistrados.
No entanto, alerta que se não houver alterações à proposta de reestruturação de carreiras terá necessariamente de haver um período de adaptação, caso contrário, o CSMP não conseguirá fazer o movimento anual dos magistrados.
"O grande desafio do estatuto é criar uma carreira para os magistrados do MP que permita um melhor funcionamento", diz o magistrado.
E o grande desafio de Lucília Gago?
"Mobilizar o Ministério Público internamente. Que, no momento em que muitos procuradores estão com algum desânimo face às condições de desorganização, falta de quadros e não darem conta do que têm entre mãos, a nova PGR consiga animá-los."
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