segunda-feira, 18 de julho de 2016

Regra da dívida furada por onze países da UE

SANÇÕES
Pedro Araújo
17.07.2016 / 12:00

Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Fotografia: REUTERS/Francois Lenoir

Bruxelas ameaça penalizar Portugal pelo défice de 2015. Mas há outro critério que está a ser ignorado e que colocaria mais Estados em apuros.

Há onze dos 28 países da União Europeia (UE) que estão a desrespeitar o limite para a dívida pública (60% do PIB), não conseguindo sequer reduzi-la ao ritmo requerido de 5% na média dos últimos três anos. 
Seis deles registaram também um défice (diferença negativa entre receita e despesa) acima do limiar dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. 
No entanto, só Portugal e Espanha estão sob a ameaça de sanções. 

A dívida pública é, a seguir ao défice, o segundo critério fundamental do Pacto de Estabilidade e do Tratado Orçamental, mas nunca é apresentado como motivo para eventuais sanções aos incumpridores. 
Muitos países, Alemanha incluída, têm uma dívida superior a 60% do PIB. 
No entanto, o Tratado Orçamental (em vigor desde 2013) aligeirou o problema ao admitir que os Estados possam limitar-se a reduzir o fosso para os 60% do PIB ao ritmo de 5% na média dos últimos três anos. 
Ora, há 11 países que não conseguiram fazê-lo entre 2013 e 2015. 
A Alemanha não entra no lote, mesmo tendo uma dívida de 71,2% do PIB, uma vez que encurtar em 16,8% o fosso para os 60% na média dos últimos três anos. 

Países em défice excessivo 

O processo iniciado pelas instâncias europeias que poderá levar à aplicação de sanções ao par ibérico é inédito e ainda mais ímpar será se o castigo for aplicado. 
A regra do limite de 3% no défice é a mais conhecida regra. 
Na alçada do Procedimento de Défice Excessivo (PDE) estão não só Portugal de Espanha como também Croácia, França, Grécia e Reino Unido. 
Só Portugal tem ainda como limite o ano de 2015 para baixar o défice, algo que não aconteceu devido ao Banif, que elevou o saldo negativo para 4,4% do PIB. 
Os outros países estão autorizados a resolver o problema em 2016 ou até em 2017, como é o caso de França. 
O Reino Unido deixará de ser um problema quando concretizar o “brexit”. 

Todos os seis países que estão atualmente em PDE não respeitam igualmente o limite da dívida, não cumprindo também a redução fosso para os 60% do PIB ao ritmo de 5% na média dos três últimos anos. 
Ao lote constituído por Portugal, Espanha, Croácia, França, Reino Unido e Grécia, países que não têm conseguido conter o défice, acrescentam-se, por via do incumprimento da regra da dívida, Bélgica, Itália, Chipre, Holanda e Áustria. 

A questão de penalizar ou não um país como Portugal é meramente técnica? 
Álvaro Aguiar, professor da Faculdade de Economia do Porto, considera que a política guia estas decisões. 
“Embora baseada em argumentos e procedimentos técnicos, a decisão – quer sobre a questão de saber se houve ou não ação efetiva, quer sobre a questão subsequente de aplicar ou não sanções – é sempre política. 
E é certamente dessa forma – política – que as decisões surgem aos olhos da opinião pública”, afirma Álvaro Aguiar, profundo conhecedor das instâncias europeias, uma vez que era economista chefe do gabinete do ministro das Finanças quando Portugal pediu o resgate em 2011. 

Um problema tabu 

A dívida pública surge como um problema tabu para a Comissão Europeia. 
“Os países não têm sido colocados em PDE exclusivamente por causa da violação da regra da dívida pública e respetiva evolução. 
Isso deve-se a vários fatores, entre os quais a consideração de que, pela sua natureza cumulativa, a evolução deste indicador está ainda contaminada com a crise económica e, principalmente, financeira”, afirma. 

“Na maioria das análises que recaem sobre situações em que o problema não é o défice atual, mas sim os níveis excessivos de dívida pública (acima de 60% e com dinâmica não suficientemente descendente), a Comissão Europeia tem considerado que existem condições económicas adversas que impedem o cumprimento, casos típicos da Bélgica e Itália”, acrescenta Álvaro Aguiar. 

A realidade é que as instâncias europeias estão totalmente focadas no critério do défice. “Portugal tem estado quase permanentemente sob PDE desde que entrou na zona euro, apesar de sucessivos planos e promessas (não cumpridas, portanto) no sentido da correção dos défices excessivos”, lembra o antigo economista chefe que ajudou a negociar o resgate de Portugal. 

Portugal derrapa desde 2009 

Portugal deverá enviar a Bruxelas, já nos próximos dias, uma carta a contestar o processo que visa aplicar sanções (multa ou suspensão de fundos comunitários) ao país por incumprimento do limite do défice em 2015 (-4,4%). 
António Costa terá de explicar que a sua política orçamental não coloca em risco uma nova infração, em 2016, do limite dos 3% no défice. 

O problema remonta a 2009, altura em que o primeiro-ministro era José Sócrates. Naquele ano, o Conselho decidiu, no seguimento de uma recomendação da Comissão, que o país tinha um défice excessivo, e emitiu uma recomendação no sentido de esse desvio ser corrigido até 2013. 
O prazo seria prorrogado até 2014 e, mais tarde, até 2015. 
Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, já disse que França, por exemplo, não é penalizada por ser a França, afirmação que retirou posteriormente.

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